Religião
Enciclopédia Nova Barsa
O medo do
desconhecido e a necessidade de dar sentido ao mundo que o cerca levaram o
homem a fundar diversos sistemas de crenças, cerimônias e cultos - muitas
vezes centrados na figura de um ente supremo – que o ajudam a compreender o
significado último da sua natureza. Mitos, superstições ou ritos mágicos que as
sociedades primitivas teceram em torno de uma existência sobrenatural,
inatingível pela razão, equivaleram à crença num ser superior e ao desejo de
comunhão com ele, nas primeiras formas de religião.
Religião (do latim religio, cognato de
religare, “ligar”, “apertar”, “atar”,
com referência a laços que unam o homem à divindade ) é como o conjunto
de relações teóricas e práticas estabelecidas entre o homem e uma potência
superior, à qual se rende culto, individual ou coletivo, por seu caráter divino
e sagrado. Assim, religião constitui um corpo organizado de crenças que
ultrapassam a realidade da ordem natural, sobre a qual elabora sentimentos,
pensamentos e ações.
Essa definição abrange tanto as religiões dos
povos ditos primitivos quanto às formas mais complexas de organizações dos
vários sistemas religiosos, embora variem muitos os conceitos sobre o conteúdo
e a natureza da experiência religiosa. Apesar dessa variedade e da
universalidade do fenômeno no tempo e no espaço, as religiões têm como
característica comum o relacionamento do sagrado (definição do filósofo e
teólogo alemão Rudolf Otto ) e a dependência do homem de poderes supramundanos
( definição do teólogo alemão Friedrich Schleiermacher ). A observância e a
experiência religiosa têm por objetivo prestar tributos e estabelecer formas de
submissão a esses poderes, nos quais está implícita a idéia da existência de
ser ou seres superiores que criaram e controlam os cosmos e a vida humana.
Aquelas características, que de certa forma
não distinguem uma religião de outra, levaram ao debate sobre religião natural
e religião revelada; o que recebeu significação especial nas teologias judaicas
e cristãs. O americano Mircea Éliade, historiador das religiões, denominou
“hierofania” a essa manifestação do sagrado uma pedra ou uma árvore, seja a
doutrina da encarnação de Deus em Jesus Cristo, trata-se sempre de uma
hierofania, de um ato misterioso que revela algo completamente diferente da
realidade do mundo natural, profano.
Por mais que
a mentalidade ocidental moderna possa repudiar certa expressões rudimentares ou
exóticas das religiões primitivas, na realidade a pedra e a árvore não são
adoradas enquanto tais, com expressões de algo sagrado, que paradoxalmente
transforma o objeto numa outra realidade. O sagrado e o profano configuram duas
modalidades de estar no mundo e duas atitudes existenciais do homem ao longo de
sua história. Contudo, as reações do homem frente ao sagrado, em diferentes
contextos históricos, não são uniformes e expressam um fenômeno cultural e
social complexo, apesar da base comum.
Embora não
seja fácil elaborar uma classificação sistemática das religiões, pode-se
agrupá-las em duas categorias amplas: religiões primitivas e religiões
superiores. Nessa divisão, o qualificativo superior refere-se ao
desenvolvimento cultural e não ao nível de religiosidade.
Religiões
primitivas. A importância do culto aos antepassados levou filósofos e
historiadores – como Evêmero, no século 4 a.C. – a considerá-lo a origem da
religião. As sepulturas paleolíticas corroboram essa opinião, pois comprovam já haver, naquele
período, a crença numa vida depois da morte e no poder ou influência dos
antepassados sobre a vida cotidiana do clã familiar. Os integrantes do clã
obrigavam-se a praticar ritos em homenagem aos seus defuntos pelo temor a
represálias ou pelo desejo de receber benefícios ou, ainda, por considerá-los
divinizados.
No século 19,
os estudo realizados pelo antropólogo britânico Edward Burnett Tylor deram
origem ao conceito de animismo, aplicado desde então a todas as religiões
primitivas. Tylor sustentou que o homem primitivo, a parti da experiência do
sonho e do fen^nmeno da respiração, concebeu a existência de uma alma ou
princípio vital imaterial que habitava todos
os seres dotados de movimento e vida. O temor diante dos fenômenos
naturais ou a necessidade de obter seus benefícios impediu-o de render-lhe
veneração ou culto.
O fetichismo
e o totemismo podem ser considerados variantes do animismo. O fetichismo
refere-se à denominação que os portugueses deram à religião dos negros da
África Ocidental e que se aplicou até confundir-se com animismo. Consiste na
veneração a objetos aos quais se atribuem poderes sobrenaturais ou que são
possuídos por um espírito. Mais que uma religião, o totemismo seria um sistema
de crença e práticas culturais que estabelece relação especial entre um
indivíduo ou um grupo de indivíduos e um animal – às vezes também um vegetal,
um fenômeno natural ou algum objeto material – ao qual se rende algum tipo de
culto e respeito em relação ao qual se estabelecem determinadas proibições (
uso como alimento, contato, etc. ).
Religiões superiores. `A medida que o
homem passou a organizar sua existência numa base racional, a multiplicidade de
poderes divino e sobre-humanas ao primitivo animismo não conseguiu mais
satisfazer a necessidade de estabelecer uma relação coerente com as múltiplas
forças espirituais que povoaram o universo. Surgiram assim as religiões
politeístas, panteístas, deístas e monoteístas, expressões das condições
sociais e culturais de cada época e das características dos povos em que
surgiram.
As
religiões politeístas afirma a existência de vários deuses, aos quais rendem
culto. Existem duas teorias contraditórias sobre a origem do politeísmo: para
alguns, é forma primitiva da religião, que mais tarde teria evoluído até o
monoteísmo; para outros, ao contrário, é uma degeneração do monoteísmo
primitivo. O politeísmo reflete a experiência humana de um universo no qual se
manifestam diversas forças de poder sobre-humano; no entanto, nas religiões
politeístas ocorre com freqüência uma hierarquia, com um deus supremo que reina
e que, em geral, pode ser origem dos demais deuses. O problema do politeísmo
seria delimitar o que se entende como deus ou algo sobre-humano. Politeístas
foram a religião grega e a romana.
O panteísmo
é uma filosofia que, por levar a extremos as noções de absoluto e de infinito,
próprias do conceito de Deus, chega a considerá-lo como a única realidade
existente e, portanto a identificá-lo com o mundo. É a clássica a formulação do
filósofo Baruch Spinosa, no século 17: Deus sive natura (Deus ou natureza). A
lguns filósofos gregos e estóicos foram panteístas, doutrina que também é a
base fundamental do budismo.
Também uma
corrente filosófica, o deísmo reconhece a existência enquanto constitui um ser
supremo de atributos totalmente indeterminados. Essa doutrina funda-se na
religião natural, que nega a revelação. O que o homem conhece a respeito de
Deus não ocorre apenas das deduções da própria humana. Se o universo físico é
regulado por leis segundo a vontade de Deus e o mundo moral e espiritual devem
ser similares, reguladas com a mesma precisão e, portanto, naturais. O período
do iluminismo (séculos 17-18) proclamou o culto a deusa razão e a revolução francesa
ajudou a organizá-lo.
As
religiões monoteístas professam a crença num Deus único, transcendente –
distinto e superior ao universo – e pessoal. Um dos grandes problemas do
monoteísmo é a explicação do mal no mundo, o que levou diversas religiões a
adotarem um sistema dualista, o maniqueísmo, fundado nos princípios supremo do
bem e do mal.
As grandes
religiões monoteístas são o judaísmo, o cristianismo – que professa a
existência de um só Deus, apesar de reconhecer, como, mistério, três pessoas
divinas – e o islamismo.
Elementos característicos dos
sistemas religiosos. Os princípios
elementares comuns à maioria das religiões conhecida na história podem
agrupar-se nos seguintes capítulos: crenças, ritos, normas de conduta e
instituições.
Toda
religião pressupõe algumas crenças básicas, como a sobrevivência depois da
morte, mundo sobrenatural, etc., ao menos comum fundamento dos ritos que
pratica. Essas crenças podem ser de tipo mitológico – relatos simbólicos sobre
a origens dos deuses, do mundo ou do próprio povo; ou dogmático – conceitos
transmitidos por revelação da divindade, que dá origem à religião revelada e
que são recolhidos nas escrituras sagradas em termos simbólicos, mas também
conceituais.
Os
conceitos fundamentais organizam-se, de modo geral, em um credo ou profissão de
fé; as deduções ou explicações de tais conceitos constituem a teologia ou
ensinamento de cada religião, que enfoca temas sobre a divindade, suas relações
com os homens e os problemas cruciais – a morte, a moral, as relações humanas,
etc. Entre as crenças destacam-se, em geral, uma visão esperançosa sobre a
salvação definitiva das calamidades presentes, que pode ir desde da mera
ausência de sofrimento até a incógnita do nirvana ou felicidade plena do
paraíso.
A
manifestação das próprias crenças e anseios mediante ações simbólicas é
inerente a expressividade humana. Da mesma forma, as crenças e sentimentos
religiosos têm se manifestado por intermédio dos ritos, ou ações sagradas,
praticadas nas diferentes religiões. Até no budismo, contra o ensinamento de
Buda , desenvolveram desde do começo diversas classes de rituais. Toda religião
que seja mais do que uma filosofia gera uma série de ritos a ser vivida pelo
povo. Existem ritos culturais em honra à divindade, ritos funerários, ritos de
bênçãos ou de consagração e muitos outros.
Observa-se
em geral, nas diversas religiões, a existências de ministros ou sacerdotes
encarregados de celebrar os principais rituais e, em especial, o culto à
divindade. Os atos mais importantes desse culto são oferendas e sacrifícios
praticados em conjunto, com invocações e orações. Com freqüência celebram-se os
ritos em lugares e épocas considerados sagrados, especialmente dedicados à
divindade, e observados com escrupulosa exatidão através dos tempos.
O terceiro
elemento característico de toda religião é o estabelecimento, mais ou menos
coercitivo, de normas de conduta do indivíduo ou do grupo do qual se refere a
Deus, as seus semelhantes e a si mesmo. O primeiro comportamento exigido é a
conversão ou mudança para um novo modo de vida. Com relação a Deus, destacam-se
as atitudes de veneração, obediência, oração e, em algumas religiões, o amor.
Na conduta no âmbito da esfera humana entra, em maior ou menor medida, um
sistema de normas éticas.
Quase todas
as religiões cristalizam-se em algumas instituições dogmáticas (doutrinárias)e
culturais (sacerdócio, hierarquia). Muitas delas chegam a conduta, com a
criação até mesmo de tribunais de justiça e sanções e organizar
administrativamente as diversas comunidades de crentes e suas propriedades.
Essas instituições dão forma e coesão aos crentes como um grupo social –
religião, povo, igreja, comunidade; a elas somam-se outras instituição
voluntárias de tipo assistencial ou de plena dedicação religiosa, que
correspondem a grupos informais dentro do grupo institucionalizado. As
instituições consideram imprescindível a forma externa, enquanto que a fé
considera o espírito interno como essncial à religião.
(In:
Enciclopédia N ova Barsa, Vol. 12, Encyclopaedia Britannica do Brasil
Publicações, Rio de Janeiro/ São Paulo, 1997.)
OBS: Este texto não serve para fundamentar alicerce de uma
nova crença, é apenas a nível de conhecimento e enriquecimento intelectual.