sábado, 10 de dezembro de 2011

A ESSÊNCIA DAS RELIGIÕES


Religião
Enciclopédia Nova Barsa
           O medo do desconhecido e a necessidade de dar sentido ao mundo que o cerca levaram o homem a fundar diversos sistemas de crenças, cerimônias e cultos ­- muitas vezes centrados na figura de um ente supremo ­­­­– que o ajudam a compreender o significado último da sua natureza. Mitos, superstições ou ritos mágicos que as sociedades primitivas teceram em torno de uma existência sobrenatural, inatingível pela razão, equivaleram à crença num ser superior e ao desejo de comunhão com ele, nas primeiras formas de religião.
          Religião (do latim religio, cognato de religare, “ligar”, “apertar”, “atar”,  com referência a laços que unam o homem à divindade ) é como o conjunto de relações teóricas e práticas estabelecidas entre o homem e uma potência superior, à qual se rende culto, individual ou coletivo, por seu caráter divino e sagrado. Assim, religião constitui um corpo organizado de crenças que ultrapassam a realidade da ordem natural, sobre a qual elabora sentimentos, pensamentos e ações.
          Essa definição abrange tanto as religiões dos povos ditos primitivos quanto às formas mais complexas de organizações dos vários sistemas religiosos, embora variem muitos os conceitos sobre o conteúdo e a natureza da experiência religiosa. Apesar dessa variedade e da universalidade do fenômeno no tempo e no espaço, as religiões têm como característica comum o relacionamento do sagrado (definição do filósofo e teólogo alemão Rudolf Otto ) e a dependência do homem de poderes supramundanos ( definição do teólogo alemão Friedrich Schleiermacher ). A observância e a experiência religiosa têm por objetivo prestar tributos e estabelecer formas de submissão a esses poderes, nos quais está implícita a idéia da existência de ser ou seres superiores que criaram e controlam os cosmos e a vida humana.
         Aquelas características, que de certa forma não distinguem uma religião de outra, levaram ao debate sobre religião natural e religião revelada; o que recebeu significação especial nas teologias judaicas e cristãs. O americano Mircea Éliade, historiador das religiões, denominou “hierofania” a essa manifestação do sagrado uma pedra ou uma árvore, seja a doutrina da encarnação de Deus em Jesus Cristo, trata-se sempre de uma hierofania, de um ato misterioso que revela algo completamente diferente da realidade do mundo natural, profano.
         Por mais que a mentalidade ocidental moderna possa repudiar certa expressões rudimentares ou exóticas das religiões primitivas, na realidade a pedra e a árvore não são adoradas enquanto tais, com expressões de algo sagrado, que paradoxalmente transforma o objeto numa outra realidade. O sagrado e o profano configuram duas modalidades de estar no mundo e duas atitudes existenciais do homem ao longo de sua história. Contudo, as reações do homem frente ao sagrado, em diferentes contextos históricos, não são uniformes e expressam um fenômeno cultural e social complexo, apesar da base comum.
          Embora não seja fácil elaborar uma classificação sistemática das religiões, pode-se agrupá-las em duas categorias amplas: religiões primitivas e religiões superiores. Nessa divisão, o qualificativo superior refere-se ao desenvolvimento cultural e não ao nível de religiosidade.
         Religiões primitivas. A importância do culto aos antepassados levou filósofos e historiadores ­– como Evêmero, no século 4 a.C. – a considerá-lo a origem da religião. As sepulturas paleolíticas corroboram essa  opinião, pois comprovam já haver, naquele período, a crença numa vida depois da morte e no poder ou influência dos antepassados sobre a vida cotidiana do clã familiar. Os integrantes do clã obrigavam-se a praticar ritos em homenagem aos seus defuntos pelo temor a represálias ou pelo desejo de receber benefícios ou, ainda, por considerá-los divinizados.
         No século 19, os estudo realizados pelo antropólogo britânico Edward Burnett Tylor deram origem ao conceito de animismo, aplicado desde então a todas as religiões primitivas. Tylor sustentou que o homem primitivo, a parti da experiência do sonho e do fen^nmeno da respiração, concebeu a existência de uma alma ou princípio vital imaterial que habitava todos  os seres dotados de movimento e vida. O temor diante dos fenômenos naturais ou a necessidade de obter seus benefícios impediu-o de render-lhe veneração ou culto.
          O fetichismo e o totemismo podem ser considerados variantes do animismo. O fetichismo refere-se à denominação que os portugueses deram à religião dos negros da África Ocidental e que se aplicou até confundir-se com animismo. Consiste na veneração a objetos aos quais se atribuem poderes sobrenaturais ou que são possuídos por um espírito. Mais que uma religião, o totemismo seria um sistema de crença e práticas culturais que estabelece relação especial entre um indivíduo ou um grupo de indivíduos e um animal – às vezes também um vegetal, um fenômeno natural ou algum objeto material – ao qual se rende algum tipo de culto e respeito em relação ao qual se estabelecem determinadas proibições ( uso como alimento, contato, etc. ).
           Religiões superiores. `A medida que o homem passou a organizar sua existência numa base racional, a multiplicidade de poderes divino e sobre-humanas ao primitivo animismo não conseguiu mais satisfazer a necessidade de estabelecer uma relação coerente com as múltiplas forças espirituais que povoaram o universo. Surgiram assim as religiões politeístas, panteístas, deístas e monoteístas, expressões das condições sociais e culturais de cada época e das características dos povos em que surgiram.
           As religiões politeístas afirma a existência de vários deuses, aos quais rendem culto. Existem duas teorias contraditórias sobre a origem do politeísmo: para alguns, é forma primitiva da religião, que mais tarde teria evoluído até o monoteísmo; para outros, ao contrário, é uma degeneração do monoteísmo primitivo. O politeísmo reflete a experiência humana de um universo no qual se manifestam diversas forças de poder sobre-humano; no entanto, nas religiões politeístas ocorre com freqüência uma hierarquia, com um deus supremo que reina e que, em geral, pode ser origem dos demais deuses. O problema do politeísmo seria delimitar o que se entende como deus ou algo sobre-humano. Politeístas foram a religião grega e a romana.
          O panteísmo é uma filosofia que, por levar a extremos as noções de absoluto e de infinito, próprias do conceito de Deus, chega a considerá-lo como a única realidade existente e, portanto a identificá-lo com o mundo. É a clássica a formulação do filósofo Baruch Spinosa, no século 17: Deus sive natura (Deus ou natureza). A lguns filósofos gregos e estóicos foram panteístas, doutrina que também é a base fundamental do budismo.
          Também uma corrente filosófica, o deísmo reconhece a existência enquanto constitui um ser supremo de atributos totalmente indeterminados. Essa doutrina funda-se na religião natural, que nega a revelação. O que o homem conhece a respeito de Deus não ocorre apenas das deduções da própria humana. Se o universo físico é regulado por leis segundo a vontade de Deus e o mundo moral e espiritual devem ser similares, reguladas com a mesma precisão e, portanto, naturais. O período do iluminismo (séculos 17-18) proclamou o culto a deusa razão e a revolução francesa ajudou a organizá-lo.
           As religiões monoteístas professam a crença num Deus único, transcendente – distinto e superior ao universo – e pessoal. Um dos grandes problemas do monoteísmo é a explicação do mal no mundo, o que levou diversas religiões a adotarem um sistema dualista, o maniqueísmo, fundado nos princípios supremo do bem e do mal.
           As grandes religiões monoteístas são o judaísmo, o cristianismo – que professa a existência de um só Deus, apesar de reconhecer, como, mistério, três pessoas divinas – e o islamismo.
           Elementos característicos dos sistemas religiosos.  Os princípios elementares comuns à maioria das religiões conhecida na história podem agrupar-se nos seguintes capítulos: crenças, ritos, normas de conduta e instituições.
           Toda religião pressupõe algumas crenças básicas, como a sobrevivência depois da morte, mundo sobrenatural, etc., ao menos comum fundamento dos ritos que pratica. Essas crenças podem ser de tipo mitológico – relatos simbólicos sobre a origens dos deuses, do mundo ou do próprio povo; ou dogmático – conceitos transmitidos por revelação da divindade, que dá origem à religião revelada e que são recolhidos nas escrituras sagradas em termos simbólicos, mas também conceituais.
          Os conceitos fundamentais organizam-se, de modo geral, em um credo ou profissão de fé; as deduções ou explicações de tais conceitos constituem a teologia ou ensinamento de cada religião, que enfoca temas sobre a divindade, suas relações com os homens e os problemas cruciais – a morte, a moral, as relações humanas, etc. Entre as crenças destacam-se, em geral, uma visão esperançosa sobre a salvação definitiva das calamidades presentes, que pode ir desde da mera ausência de sofrimento até a incógnita do nirvana ou felicidade plena do paraíso.
          A manifestação das próprias crenças e anseios mediante ações simbólicas é inerente a expressividade humana. Da mesma forma, as crenças e sentimentos religiosos têm se manifestado por intermédio dos ritos, ou ações sagradas, praticadas nas diferentes religiões. Até no budismo, contra o ensinamento de Buda , desenvolveram desde do começo diversas classes de rituais. Toda religião que seja mais do que uma filosofia gera uma série de ritos a ser vivida pelo povo. Existem ritos culturais em honra à divindade, ritos funerários, ritos de bênçãos ou de consagração e muitos outros.
          Observa-se em geral, nas diversas religiões, a existências de ministros ou sacerdotes encarregados de celebrar os principais rituais e, em especial, o culto à divindade. Os atos mais importantes desse culto são oferendas e sacrifícios praticados em conjunto, com invocações e orações. Com freqüência celebram-se os ritos em lugares e épocas considerados sagrados, especialmente dedicados à divindade, e observados com escrupulosa exatidão através dos tempos.
          O terceiro elemento característico de toda religião é o estabelecimento, mais ou menos coercitivo, de normas de conduta do indivíduo ou do grupo do qual se refere a Deus, as seus semelhantes e a si mesmo. O primeiro comportamento exigido é a conversão ou mudança para um novo modo de vida. Com relação a Deus, destacam-se as atitudes de veneração, obediência, oração e, em algumas religiões, o amor. Na conduta no âmbito da esfera humana entra, em maior ou menor medida, um sistema de normas éticas.
          Quase todas as religiões cristalizam-se em algumas instituições dogmáticas (doutrinárias)e culturais (sacerdócio, hierarquia). Muitas delas chegam a conduta, com a criação até mesmo de tribunais de justiça e sanções e organizar administrativamente as diversas comunidades de crentes e suas propriedades. Essas instituições dão forma e coesão aos crentes como um grupo social – religião, povo, igreja, comunidade; a elas somam-se outras instituição voluntárias de tipo assistencial ou de plena dedicação religiosa, que correspondem a grupos informais dentro do grupo institucionalizado. As instituições consideram imprescindível a forma externa, enquanto que a fé considera o espírito interno como essncial à religião.
(In: Enciclopédia N ova Barsa, Vol. 12, Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações, Rio de Janeiro/ São Paulo, 1997.)
OBS: Este texto não serve para fundamentar alicerce de uma nova crença, é apenas a nível de conhecimento e enriquecimento intelectual.

Nenhum comentário:

Postar um comentário